sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O lixo Social - Artigo

Cesar Soares Farias *

Quando fui selecionado para trabalhar no meio do chamado “lixo social”
imaginei, à princípio, estar adentrando num mundo contaminado e com poucas
perspectivas de mudanças. Os noticiários mostram que o Sistema Penitenciário
está intimamente associado à idéia de perigo constante e isso, mesmo que
inconscientemente, acaba gerando perspectivas pessimistas em quem nunca
participou daquela realidade “intramuros”.
Exerço função burocrática dentro de um estabelecimento prisional dos regimes
aberto e semi-aberto, auxiliando, não raras vezes, na aplicação da Justiça,
lidando com direitos e deveres de quase 600 apenados. Durante o meu curso
de formação para auxiliar penitenciário da Susepe (Superintendência dos
Serviços Penitenciários) aprendi que, teoricamente, a função da pena – ao
contrário do que eu pensava – não se restringe a tão somente punir o
indivíduo. O Estado, como executor da sanção imposta pelo Juiz, também deve
oferecer ao apenado alternativas de ressocialização, sendo esta a grande
questão ou contradição que exige, neste instante, sério debate.
São muitos os que duvidam irredutivelmente que a recuperação de um criminoso é possível e vêem na ressocialização apenas uma possibilidade
utópica. Quanto a isso, gostaria de interpor a minha modesta autoridade de coparticipante
diário desse drama social. Logo no início, apreensivo e ainda
influenciado por um certo preconceito, procurei descobrir uma maneira toda
especial para lidar com todos aqueles detentos, porém havia ignorado um fator
primordial e que hoje, para mim, se faz tão evidente: eles são pessoas. Traem,
mentem, sofrem, tentam, caem, levantam-se. Duvidar de suas vitórias é
duvidar do ser humano em geral e aceitar que as coisas realmente não têm
mais jeito.
A punição e o castigo fazem-se necessários em algumas situações, mas não
deve a sociedade contentar-se em jogar o seu lixo na prisão e simplesmente
exigir que ele lá permaneça. A menos que acreditemos na adoção da pena de
morte ou em massacres, como o de Carandiru, para extirpar a delinqüência,
faz-se necessário um novo olhar sobre o trabalho desenvolvido pelo Estado
dentro de seus estabelecimentos prisionais. Certamente não será o Poder
Público quem conseguirá resolver sozinho o complexo problema da
criminalidade. Mas seria um grande avanço vermos os servidores
penitenciários identificados com os objetivos da pena, preocupados com a
segurança mas, não menos, com a Justiça. A seriedade no desempenho da
função pública é o ponto de partida para toda e qualquer tentativa de contornar
o evidente problema carcerário. De nada valerá a construção de novos
presídios ou albergues que sirvam tão somente como depósitos de lixo.

* Cesar Soares Farias, auxiliar do Serviço Penitenciário. Atua na Casa do Albergado Padre Pio
Buck, em Porto Alegre (RS).
(Informativo Pronasci n°110/Ministério da Justiça)

Um comentário:

  1. Parabéns Cesar! Pelo artigo, pelo esforço diário em fazer um bom trabalho, e pela crença no ser humano! =)

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